terça-feira, 9 de novembro de 2010

A interação meio ambiente / congo da Barra do Jucu

O CONGO NA BARRA DO JUCU
Por Homero Bonadiman Galvêas  

O congo, que ganhou notoriedade, até internacional, é uma manifestação que tem, segundo Geraldo Pignaton e Kleber Galvêas, como fundamento a capacidade de ser muito espontânea, narrar as tradições, os costumes do cotidiano local do seu povo, as coisas que acontecem no dia a dia da comunidade, servindo como verdadeiro jornal do lugar; falando das pescarias, fatos curiosos, caçadas, sobre aventuras, amores, desilusões, reclamações locais, entre outras questões. A capacidade de improvisação de versos que estes homens possuem é grande, “eles ficavam o dia todo no mar pescando, na mata caçando ou fazendo lenha e no rio navegando e pensando nos acontecimentos locais e preparando novos versos para a próxima congada.”

Mas com a mudança forçada de boa parte das atividades econômicas, o contato pessoal com a comunidade foi sendo perdido, pois saiam daqui às 6 horas da manhã e voltavam às 7 da noite, cansados. Assim indo varrer ruas e em grupos separados, o congo foi perdendo aos poucos esse lado interessante, do jornal, do improviso, do repente, parecido com o nordestino, uma marca registrada. Mas ainda mantém alguma coisa, mas longe do que era antes.

O congo, por muito tempo foi visto com maus olhos por certa parcela da comunidade barrense mais abastada. Poucas pessoas acompanhavam o congo, fora os que gostavam de tocar. Estes sofriam com muito preconceito da nossa sociedade ainda muito tradicional e conservadora, confundiam o congo com macumba, recriminavam por causa da bebida, que era coisa do diabo, além das discriminações econômicas. Alguns da elite local diziam que aquilo era brincadeira de preto. Os negros não eram bem vindos a esta comunidade, eram postos para correr daqui, segundo “Seu Daniel”. Pode-se notar que até hoje é difícil ver um negro morando nessa região, no congo quase não tinha, hoje as coisa mudaram muito, a integração é bem maior nesse sentido.

As igrejas evangélicas também começaram a influenciar os conguista dizendo que era macumba, coisa do diabo, sem tentar fazer uma análise mais profunda da manifestação e conseguiram tirar vários elementos do congo e perturbar a cabeça de outros.

Meninos e rapazes aqui da Barra até a mando dessas pessoas que não gostavam, aprontavam de várias maneiras com o congo, jogando pedras dentro dos tambores, bombas e urina nos conguistas, empurrando os velhinhos, jogando água de chuva. Segundo Kleber e Geraldo, para tocar, depois das 10 horas da noite só subornando o delegado local. Para tocar na festa de São Benedito e não precisar subornar o delegado, tinha que se pagar uma taxa na coletoria estadual em Vila Velha.

Poucas pessoas chamavam a banda para tocar. Sebastião Maria, o juiz de paz do lugar era um dos poucos, tirando um ou outro aniversário e a festa de São Benedito, não se tocava mais em lugar nenhum, nem em bares, nem restaurantes.

A igreja, católica também com administradores muito conservadores, não deixava os conguistas entrarem na igreja, nem abriam a porta da igreja centenária e uma vez chegaram a tirar o mastro do buraco e a reter a bandeira. Outra vez um morador roubou a bandeira de São Benedito e vendeu para pessoas de Brasília. Mas segundo a lenda Mestre Honório pediu tanto a São Benedito que a bandeira pintada de um lado por Haid Liebermann e do outro por Kleber Galvêas reapareceu aqui na Barra, e foi entregue nas mãos do mestre.

Para reverter este estado de coisa Kleber se utilizou de um meio, que é por excelência, reprodutor dessa sociedade de consumo capitalista, a mídia. Como no caso do tombamento de Jacaranema, chamou a imprensa escrita e falada e os instruiu para fazerem uma série de entrevistas esclarecendo o que era o congo e massificou essa informação através de jornais e televisão. Conseguiu assim, através de entrevistas cedidas pelo Mestre Honório e o Presidente Alcides, diferenciar o congo da Macumba e sensibilizar boa parte da população para o real significado do congo. Contou para isso também com a grande ajuda dos amigos, Paulo de Paula, Júlio Fabris, Antônio Americano, Jairo de Brito e Darly Santos. Geraldo.

A história do congo na Barra do Jucu se divide em 3 momentos:

O primeiro acontece com a vinda de Manoel Nunes de Palmeiras, do Morro dos Monos, no interior de Guarapari, para a Barra do Jucu com alguns tambores no início dos anos 50. Ele era pai de Pedrinho e tio de Paulo Nunes. Depois da sua morte, Maria Luiza Valadares, tomou conta do congo por alguns anos, mas se casou com um homem que não gostava do congo e ela parou com a banda em meados dos anos 70.

O segundo momento se dá com a mudança de “Seu Alcides” para a Barra do Jucu, já comentada. Ele vem com 2 tambores em 1968 e se une a “Seu Justino”, também ex-morador de Jaguarussu. Com o apoio da Prefeitura, ele pega os tambores que estavam estragando na casa de Maria Luisa e forma uma banda de congo, com: “Seu Honório”, Ozório, Avigêncio, Hidelbrando, Zé Silva, Daniel, Antônio Biju, João Amaral, Sebastião Maria, Júlio Valadares, “Seu Delcy”, Haroldo, Giovani, Honofre, João Bagaceira, João Bina, entre outros. Seu Alcides foi um homem de suma importância, foi um dos pioneiros e mantenedores do congo na Barra do Jucu, dos anos 60 aos 90.

Chegaram no início dos anos 70 Kleber Galvêas e Dr. Geraldo Pignaton, fazendo parte da banda. No início dos anos 80 “Seu Alcides” resolve, vender a banda. Passava por grandes necessidades financeiras e havia se ligado a uma igreja evangélica que se instalou ao lado de sua casa. Então, Geraldo, que tinha melhor condição financeira, comprou a banda de congo, pois senão ela poderia ser vendida separadamente para pessoas de fora como suvenir. O congo iria acabar na Barra. Geraldo, comprou sabendo dos preconceitos que o congo sofria na Barra e não tendo lugar para guardar os tambores, passou a chamar o pessoal, inclusive “Seu Alcides”, para tocar na Fazenda Camping, que era de seu pai. Promete que o Congo ainda voltaria para a Barra e “por cima”.

O congo começa a viajar pelo Brasil, a ser notícia em rede nacional, a ir para o Rio de Janeiro, a tocar no Teatro Municipal do Rio. Foi a única manifestação folclórica nacional a se apresentar lá em 185 anos de história do teatro. Apresentou-se também no Circo Voador, Universidades e como ápice de tudo isso, vem a gravação da música Madalena por Martinho da Vila, que alcança destaque internacional. Isso tudo durante o período em que a banda esteve sob a coordenação de Geraldo Pignaton. Nessa época, além de alguns dos conguistas citados anteriormente, no início da década de 80 entrou uma nova geração, composta por: Buchecha, Chumbinho, Jadir (filhos de Paulo Nunes), Rose e Zé Luiz, que substituíram os velhos dando sangue novo à banda.

Apesar das confusões daí geradas e bem explicadas nas entrevistas, após e durante essa divulgação massiva, o povo da Barra começou a reclamar a volta do congo, e isso aos poucos foi acontecendo. Os que ainda eram contra tiveram que suportar a Banda, que realmente voltou por cima, em alto nível, como havia prometido Geraldo. Ser congueiro agora dava status, isso aconteceu nos finais dos anos 80 e início dos 90.

O pessoal da igreja, notando o esvaziamento, chamou um padre ligado a Teologia da Libertação, ele compreendeu que quem ia no congo eram as mesmas pessoas que iam à igreja. Então passou a deixar o congo tocar dentro da igreja. Esse processo de valorização do folclore parece ter se espalhado pelo Brasil todo. Ficou definitivamente para trás os dias em que o congo para se apresentar na Barra tinha que tirar licença na delegacia e pagar a taxa na coletoria estadual.

Então a banda atingiu um grau de importância que nunca havia conseguido antes, influenciando o surgimento de outras bandas, em outros lugares e o fortalecimento dessa manifestação cultural em todo nosso Estado. Antes quase havia acabado por 2 vezes.

Hoje em dia, ganha-se até cachê para tocar. Isto é importante, pois os integrantes estão sempre passando por sérias dificuldades financeiras. Mas por interesses de algumas pessoas, a banda já deu origem a outras duas bandas nos últimos 10 anos. Com a entrada de dinheiro, poder e status, parece que atraiu confusão. É muita gente querendo ser dono de banda de congo e mandar. A banda foi registrada e tem estatuto podendo captar recursos.

Assim a disputa pelo poder acabou formando outras bandas. O grande problema hoje é que tem muita gente querendo mandar no congo e os conguistas, percebendo essa realidade estão desgostando de participar.

O congo, em termos de auto estima do conguista, vive hoje o seu melhor momento sem dúvida, e atrai um bom número de turistas para a Barra. Apesar disto não beneficiar a todos da mesma forma, esse turismo não é predatório, até agora. Geralmente são estudantes, intelectuais e músicos.

Desde há muito tempo Portugal estabeleceu uma relação de poder com os negros, que se tem notícia desde o século XV, pois nessa época o negro das colônias africanas já ia ser escravo em Portugal, a Metrópole.

Daí é que vem o sentido de se ter um santo como São Benedito e uma santa como Nossa
Senhora do Rosário. O primeiro é a encarnação do Preto Velho de Angola, a segunda toma as formas de Iemanjá do culto afro e de Iara das águas, do culto indígena. Estes santos têm como papel principal identificar o seu público alvo em sua posição na escala social de subserviência.

Segundo Geraldo Pignaton, São Benedito foi um frade mouro, que foi tingido de preto para parecer com o Preto Velho de Angola. Ele era submisso aos padres do lugar. O negro sendo igual a ele, seria salvo, era só ser submisso em sua condição social.

Mas estes santos têm em sua criação um peso da mediação e resistência. Representam negros e índios que passam a querer e pressionar por santos seus na religião dominante e conseguem. São Benedito é, por exemplo, o único santo negro da igreja. Isto é sinal que apesar de todo o aparato ideológico e lendarização a que foi submetido, ele também é resultado da resistência negra, pois para os negros serem integrados, os poderosos tiveram que ceder e criar um santo negro. “São Benedito é milagroso, mas quem não segue as normas é castigado na hora.” Segundo o costume popular.

Segundo Kleber, a primeira festa de São Benedito de que se tem notícia na Barra do Jucu, com a fincada do mastro, ocorreu em 1975. O mastro tem um poder mágico para os participantes da festa que fazem vários pedidos e acreditam no poder do santo. O mastro é uma das manifestações lusobrasileiras mais antigas, sempre com esse poder mágico invocado e com uma bandeira com imagem de santo em seu alto, variando o santo e sua representação conforme a comunidade.

Segundo Geraldo, o congo da Barra é o somatório de pessoas que vieram de várias bandas diferentes, e cada banda tem uma batida diferente, dependendo de sua composição étnica. A da Barra foi sendo fundada por pessoas que iam saindo de lugares onde as bandas foram acabando, Jaguarussu, Itapuera, Palmeiras, etc, formando assim uma banda com grande variação de ritmos, sendo uma banda diferente das demais, que tinham uma batida definida. A banda da Barra catalisou o ritmo e a batida de várias bandas da região, fazendo assim um som bem característico e eclético.

O congo tem sua origem, segundo o professor Guilherme Santos Neves, da mistura entre brancos, negros e índios. Ele dá o pioneirismo aos índios que há muitos séculos já batiam seus guararás (tambores), esfregavam suas casacas, instrumento tipicamente indígena e do Espírito Santo e agitavam seus manacás (chocalhos). Depois começam a receber a influência dos negros na designação dos instrumentos, no ritmo, na dança, no nome da manifestação, na inclusão de novos instrumentos como a cuíca. O Português também influi, através da religiosidade católica e na forma de dança, além da própria língua.

Geraldo Pignaton destaca para nós que o congo se fortaleceu onde os jesuítas estiveram presentes, pois nessa época era parte da composição ideológica, como uma das poucas diversões da época. Nos aldeamentos e fazendas conviviam em maior ou menor grau de amizade ou proximidade, negros, índios e portugueses, todos com o seu lugar social pré-estabelecido. Daí deve ter surgido o congo das reduções jesuíticas. Os negros, como escravos, os índios como alma a ser salva e caçadores de escravos fugidos e os portugueses coordenando o sistema com mão de ferro.

Mas o congo sempre foi muito mais que uma diversão e uma reunião social. Servia, como já foi dito, como um jornal improvisado do local e como forma de reclamar e de formular revoltas. Alguns jongos (músicas do congo) mantêm essa característica até hoje.

Dependendo da composição étnica da banda, mais negra, mais índia que são os componentes centrais, o congo vai ter uma batida diferente.

Segundo Daniel e Geraldo, “Seu Honório” foi um homem muito importante para o congo. Ele previa as coisas, era um grande conhecedor das plantas medicinais, uma espécie de curandeiro local (pajé). Fazia uma pesquisa constante e tinha grande conhecimento dos ritmos do congo e das formas de fazer os instrumentos. Era exímio pescador e lá de Itapuera sabia quem estava e quem não estava tocando congo aqui na Barra, pois cada conguista tinha um jeito de tocar. Não deixava fazer pout-porri de músicas, tocar músicas com a mesma melodia em seqüência e tocar jongos que tivessem ligação com pontos de macumba. Era um grande mestre que vários entrevistados apontaram ser difícil de ser superado. Mestre Honório de Oliveira Amorim, junto com o Presidente Alcides Gomes da Silva eram a alma da banda. Os dois já falecidos, o primeiro em 1993 aos 78 anos e o segundo aos 94 anos em 1990.

Atualmente existem 3 bandas de congo na Barra do Jucu. A primeira, que segundo Geraldo, é histórica, é denominada hoje como a do Mestre Honório. Seu mestre atual é “Seu Daniel”, conguista de grande experiência com mais de 30 anos de congo. A segunda, do Mestre Alcides, se desmembrou da primeira após uma confusão ocorrida depois do caso Martinho da Vila e por interesse de algumas pessoas. Tem como mestre atualmente “Seu Zé Silva”, conguista há longa data e filho de “Seu Alcides”. Foi formada em 1990. E a Tambores de Jacaranema. Fundada em 2000, após uma dissidência no interior a Banda Mestre Honório, por causa da falta de prestação de conta, após o lançamento do CD da banda. Mestre Beto Pêgo, 13 anos de congo, resolve tirar seu grupo da banda, pois ele é que estava no poder na época da gravação do CD, a partir daí Danieléonovo mestre e é fundada a nova banda, Tambor de Jacarenema.

Este CD foi o primeiro de uma banda de congo a ser gravado e lançado no Espírito Santo, inserindo o folclore no mercado fonográfico local e divulgando ainda mais essa manifestação cultural. Após 1 ano e meio de seu lançamento, começaram a cobrar a prestação de contas, que ainda não havia sido feita com clareza pela antiga diretoria. Rolou dinheiro, começou a confusão.

No congo, o processo de mediação é intenso. Enquanto ele perde algumas características ancestrais, vai cedendo espaço a novas influências, dessa nova sociedade “globalizada” e as vai revertendo em seu benefício.

Os jongos vão perdendo aos poucos o improviso e vão ficando só os versos consagrado, outros vão se perdendo. O dinheiro e o poder vão subindo à cabeça. A utilização dos meios de comunicação e do mercado fonográfico, através de disco próprio e a gravação de suas músicas por artistas famosos que se utilizaram do ritmo para fazerem a divulgação massiva desta manifestação cultural, fizeram aumentar a auto estima dos componentes e o conhecimento da manifestação pelo povo em geral. As conguistas passaram a ser muito respeitadas em sua comunidade e a serem chamados para tocar em vários lugares, quase todas as semanas, atraindo um bom número de turistas para a região, principalmente no dia da Festa de São Benedito.

Os grupos de Música Pop., gravarem o ritmo do congo me parece interessante e ajuda na divulgação, valorização e renovação do congo. Mas com duas ressalvas, que estas pessoas participem ou pelo menos tenham um conhecimento mínimo sobre esta manifestação e se começarem a ganhar um bom dinheiro, revertam parte em projetos que beneficiem os conguistas, que são pessoas economicamente carentes e têm o congo como uma das suas poucas diversões. Oficinas de musica, apresentações gratuitas, lutar pela formação de associações de bandas, entre outras alternativas, são bem vindas.

O congo tem um papel muito importante nessa nova sociedade, merecendo ser estudado com grande cuidado. Na sociedade “globalizada” e capitalista, a pressão é pela homogeneização cultural e o congo é uma resistência a essa pressão. Uma força da resistência nessa sociedade, que deve ser muito bem estudada.

Homero Bonadiman Galvêas, filho do pintor capixaba Kleber Galvêas, é historiador autor do livro A história da Barra do Jucu: Gênese da Cultura Capixaba - Desenvolvimento Sócio Cultural da Grande Vitória.

domingo, 7 de novembro de 2010

Um pouco do histórico da destruição e da preservação


Período
Local
Ocorrências
2600 a C. até hoje Líbano: Exploração e uso excessivo da floresta de cedro.A exploração do cedro pelos fenícios e egípcios durou séculos, pequenos bosques ainda existem.
2500 a C. até 900   Império Maia: Erosão do solo, perda da viabilidade dos agroecossistemas e assoreamento dos recursos hídricos.Partes do atual México, Guatemala, Belize e Honduras; agricultura era criativa e intensiva; em algum momento a demanda aumentou e o sistema agrícola entrou em colapso.
800 a C. até 200 a C.  Grécia: Desflorestamento e uso intenso do solo.Florestas foram derrubadas para fins agrícolas, utilização de madeira para cozinhar e aquecer.
50 a C. até 450 a C.  Império Romano: Desertificação e perda de viabilidade de agroecossistemas no norte da África.Demanda intensa por grãos em todo o império exauriu essas terras, que tinham um alto potencial de erosão.
1800 até hoje   Austrália e Nova Zelândia: Perda da biodiversidade e proliferação de espécies invasivas.Cem anos de introdução de ovelhas e gado aniquilaram gramíneas nativas e, conseqüentemente muito da biodiversidade local.
1800 até hoje  América do Norte:  Conversão de habitats para agricultura e pastagens.Manada de bisões estimados em mais de 50 milhões, chegaram próximas da extinção.
1800 – 1900  Alemanha e Japão: Envenenamento industrial-químico dos sistemas de água doce.As conseqüências da Revolução industrial provocaram um grande impacto nas águas doces desses países.
1928 até hoje   Planeta Terra: Substâncias químicas industriais degradam a camada de ozônio protetora. Agrotóxicos acumulam-se em toda a cadeia alimentar.Os clorofluorcarbonos (CFCs) são compostos voláteis usados em aparelhos de refrigeração, solventes e aerossóis. A previsão para o fim de sua produção é 2010. O DDT já foi detectado em leite materno.

1.       “No Brasil o sanciona mento de uma lei, em 1861 pelo imperador D. Pedro II para proteger a Floresta da Tijuca que se encontrava totalmente degradada;
2.       Na Inglaterra, primeira lei ambiental em 1863, o Alkali Act, para regular a emissão de poluentes no ar pela indústria de vidro da época;
3.       Nos EUA, em 1872, criação do Parque Yellowstone, o primeiro parque nacional;
4.       Reunião de um grupo de cientistas, o Clube de Roma, na década de 1960, com a divulgação do relatório Limits to Growth (Limites do Crescimento), com projeções sobre os riscos e limites Década de 1960; criação dos primeiros grupos ambientalistas, preocupados com a contaminação da água e ar dos países industrializados;
5.       Tratado Antártico, em 1961, determinando o uso do continente apenas para fins pacíficos;
6.       Publicação do livro Silent Spring (Primavera Silenciosa), em 1962, falando sobre a conseqüência do uso de pesticidas como o DDT, que não só matavam os insetos mas envenenavam os pássaros também ;
7.       Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em 1972, em Estocolmo. Os países começam, então, a criar órgãos ambientais e leis para o controle da poluição;
8.       Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies de Flora e Fauna Selvagens em perigo de Extinção (Cites), em 1973;
9.       Estabelecimento da relação entre os CFCs (clorofluorcarbonos) e a destruição da camada de ozônio;
10.   Década de 1970, crise do petróleo, com o aumento do preço, mostra a necessidade de racionalização do uso da busca de fontes renováveis de energia;
11.   Década de 1980, leis em vigor exigem controle para as emissões nas indústrias; entram os estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto sobre o Meio Ambiente (EIA-RIMA);
12.   Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, em 1982, para proteger o mar contra o despejo de rejeitos nucleares e resíduos tóxicos;
13.   Década 1980, a proteção ambiental passa de defensiva, com soluções apenas corretivas, para uma ação proativa e participativa, surgindo assim o conceito da ecoeficiência, de maneira a produzir produtos de melhor qualidade com menor uso de recursos, poluindo menos e substituindo materiais que geram impactos relevantes;
14.   Acidentes na década de 1980 que chamaram a atenção para a necessidade de prevenção de riscos ambientais: Bhopal, na Índia; acidente nuclear em Chernobyl, antiga União Soviética;
15.   Criação, na Alemanha, em 1987, de um sistema para receber e destinar as pilhas e baterias descartadas após o uso;
16.   Protocolo de Montreal, em 1987, para a proteção da camada de ozônio, através da eliminação da fabricação dos CFCs;
17.   Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, o Relatório Brundtland, em 1987, que difundiu a idéia de Desenvolvimento Sustentável;
18.   Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92,
19.   Década de 1990, disponibilidade das normas internacionais em gestão ambiental da série ISO 14000, visando à conservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável;
20.   Protocolo de Kyoto, em 1997, para redução até 2012, das emissões dos gases que contribuem para o efeito estufa pelos países industrializados”.
E ainda, recente relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas-ONU (2007) sobre estudo feito pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC)  que constata que as atividades do homem têm contribuído para o aquecimento global, trazendo uma série de conseqüências ao meio ambiente, como inundações com derretimento de geleiras, desertificação, entre outras. Hoje já se fala em refugiados do clima, e sabe-se que aqueles que possuem maior recurso econômico poderão viver em regiões mais seguras, escolher os lugares que ofereçam menos risco à sua sobrevivência, cabendo à população de baixa renda as áreas mais expostas aos riscos de enchentes, frio, calor e  seca.
É necessário uma mudança de comportamento pois a Geração Futura somos nós.

VALLE, Cyro Eyer do. Qualidade Ambiental: ISO 14000.5º ed..São Paulo: SENAC, 2004.

sábado, 30 de outubro de 2010

Países fecham acordo para proteger biodiversidade

Representantes de mais de 190 países reunidos em Nagoia, no Japão, aprovaram nesta sexta-feira um acordo histórico que, se implementado, deve combater ameaças à biodiversidade até 2020 e dividir melhor os recursos obtidos pela exploração do material genético da natureza.
As principais decisões finais do 10º encontro da convenção da ONU sobre diversidade biológica (CBD, na sigla em inglês) são um protocolo sobre como dividir os benefícios representados pela biodiversidade (em inglês, Access and Benefits Sharing, ou ABS) e um plano de ação para proteger as espécies ameaçadas até 2020.
Ambos podem render muito ao Brasil. A estimativa é de que países ricos abram os cofres até 2012 para garantir cerca de US$ 200 bilhões por ano em investimentos de conservação na biodiversidade. A verba deve ser liberada a tempo para a segunda Cúpula da Terra, a ser realizada em 2012 no Rio de Janeiro.
Ainda não está claro, entretanto, de onde essa verba deve sair, uma vez que muitos países ricos se encontram em crise e já se comprometeram em dezembro do ano passado a levantar cerca de US$ 100 bilhões por ano para combater os efeitos das mudanças climáticas.
Os signatários têm agora um prazo de dois anos para estabelecer como o novo financiamento será feito.
Biopirataria
O valor da biodiversidade de cada país também deve entrar nas contas públicas, de forma a possibilitar os cálculos que vão nortear os investimentos internacionais.
Esta medida foi considerada um grande avanço, já que pela primeira vez atrela a diversidade biológica da natureza à economia.
Já o chamado ABS é fundamental para proteger os países da chamada biopirataria, o registro feito por indústrias como as farmacêuticas - na sua maioria com sede em países desenvolvidos - de substâncias retiradas de seres encontrados em outras regiões.
O acordo fechado nesta sexta-feira prevê o pagamento de royalties por propriedade intelectual aos países de origem do material. Com isso, países como o Brasil e outros donos de imensa biodiversidade poderão lucrar com o desenvolvimento de medicamentos obtidos a partir de plantas e animais locais.
Depois de intensas negociações, principalmente sobre ABS, o acordo foi elogiado por ambientalistas.
"O protocolo de Nagoia é uma conquista histórica, que garante que o valor muitas vezes imenso dos recursos genéticos seja mais justamente dividido", disse Jim Leape, diretor-geral da organização ambientalista WWF.
Entre as decisões de Nagoia também está uma meta de proteção de 17% das áreas em terra firme, que até 2010 estava em 13%.
Os ministros de meio ambiente concordaram ainda em proteger 10% das áreas marinhas e costeiras, entre elas o alto mar.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O Clima não é de Guerra

Por Dr.  José Eustáquio Diniz Alves

As mudanças climáticas globais ameaçam a humanidade. O astrofísico Stephen Hawking afirmou, recentemente, que a raça humana vai desaparecer para sempre, caso não inicie a emigração da Terra e a colonização do espaço sideral nos próximos dois séculos. Hawking considera que o ser humano está destruindo o Planeta e o aquecimento global é uma ameaça real que seria impossível de ser detida, em decorrência do padrão de produção e consumo do mundo. Para não ter o mesmo destino dos dinossauros, os humanos precisariam procurar um novo lar.

Porém, devemos pensar em mudar o nosso modo de vida na Terra antes de levar os nossos equívocos para outros planetas. As guerras e o militarismo são sem dúvida as atividades mais poluidoras, improdutivas e desnecessárias para um futuro saudável. Grande parte da poluição, da degradação ambiental e da emissão de gazes do efeito estufa vêm do complexo industrial-militar, da manutenção de exercícios, marinha e aeronáutica e das guerras espalhadas pelo mundo. O ser humano perde vidas, perde tempo e perde oxigênio com as guerras, o terrorismo e o arsenal militar. A vida na Terra teria muito a ganhar com a paz e a desmilitarização do mundo.
Segundo dados divulgados, em 02 de junho de 2010, pelo Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), houve um aumento da despesa militar mundial, em 2009, apesar da crise financeira . As despesas militares de todo o mundo, em 2009, totalizaram cerca de US$ 1.531.000.000.000 (um trilhão e quinhentos e trinta e um bilhões de dólares). Isto representou um aumento de 5,9% em termos reais em relação a 2008 e um aumento de 49% desde 2000.

Toda esta fortuna gasta em atividades improdutivas e de destruição poderia ser redirecionada para mudar a matriz energética do mundo, para mitigar e adaptar os efeitos do aquecimento global e para combater a fome e melhorar a qualidade de vida dos seres humanos e dos demais seres vivos da Terra. A metade destes gastos militares (765 bilhões de dólares por ano) já seria suficiente para promover a transição da economia de alto-carbono para a de baixo-carbono.

Os gastos militares e as despesas de manutenção das forças policiais nacionais são altamente poluidoras e apenas agravam os problemas do aquecimento global. Se estes recursos gastos em destruições e mortes fossem utilizados para mudar o padrão de produção e consumo do mundo, com certeza a humanidade poderia investir na defesa da biodiversidade, na melhoria da educação e no combate às situações de pobreza e vulnerabilidade da população mundial.

Enfim, para evitar as ameaçadoras mudanças climáticas é preciso dizer não à guerra e sim à paz. As guerras e as ações militares não fazem bem ao clima. O mundo precisa de amor generalizado pela vida de todos os seres do Planeta. O mundo não precisa de guerras. Só em clima de paz é possível encontrar soluções para os problemas ambientais da Terra. Como já disse John Lennon: All we are saying is give peace a chance (Tudo o que estamos dizendo é dê uma chance a paz)!

José Eustáquio Diniz Alves, colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; expressa seus pontos de vista em caráter pessoal. 
E-mail: jed_alves{at}yahoo.com.br
  

sábado, 11 de setembro de 2010

RETRIBUIR E COMPENSAR: APROPRIAÇÃO E REPRODUÇÃO PELA CVRD DAS DISCUSSÕES AMBIENTAIS NOS ANOS 60


Por ALEX SILVA FERRARI, ANDRÉ DE ABREU CRUZ, FABIANA LIA DE MATTOS, HÉRYKA RIBEIRO DE OLIVEIRA, LUCAS FONSECA PINTO e SHIRLEY SILVESTRE DE SENA.

APRESENTAÇÃO
                   
O presente trabalho é parte integrante da disciplina Metodologia da História da Universidade Federal do Espírito Santo, ministrada pelo Prof. Dr. André Ricardo Valle Vasco Pereira. Tem como objetivo o exercício da técnica de análise do discurso a partir de fontes primárias, e como objeto de estudo o jornal de circulação interna O Minério da Companhia Vale do Rio Doce, disponível no Centro de Memória do Museu Vale do Rio Doce localizado na antiga Estação Pedro Nolasco em Vila Velha, Espírito Santo. Ao grupo coube as edições de número 5, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15, além de uma edição especial entre as edições oito e nove, abrangendo o período desde abril de 1964 até dezembro de 1965. No entanto, por falta das edições seis e sete, os meses de junho e julho tornam-se uma lacuna.

A partir da leitura das fontes é analisado no discurso da Companhia Vale do Rio Doce a incorporação das novas normas ambientais firmadas por governo e sociedade desde fins da década de 1930 e a reprodução desta em um novo discurso proposto pela Cia. repleto de altruísmo e consciência ambiental. Nossa hipótese é, então, a de que mesmo com a “máscara filantrópica” utilizada ao abordar seus empreendimentos ambientais e sociais, a Cia. nada mais fazia do que seguir “o fluxo” e adequar-se à novas regras que lhes eram impostas.

A título de uma melhor compreensão e de comprovação da hipótese proposta, faz-se necessário um breve histórico sobre o ambientalismo, e uma contextualização da empresa e de seu discurso dentro de uma conjuntura política mundial e, sobretudo, brasileira. Assim, o trabalho está dividido em três partes: o primeiro trata dos aspectos mais gerais do ambientalismo no mundo e no Brasil, com ênfase em medidas tomadas pelo governo através de decretos e leis. Nessa primeira parte também é discutida a conjuntura em que o Brasil se encontra quando das referidas medidas, bem como quando da elaboração do discurso analisado pelo grupo. A seguinte, diz respeito ao problema proposto a partir dos estudos e ao desenvolvimento da hipótese levantada. Por fim, são expostas nossas conclusões.



BREVE HISTÓRICO

Histórico Ambiental

Nos últimos anos muito tem sido discutido a respeito de uma “crise ambiental”. Movimentos e manifestações das mais variadas vertentes e ideologias têm demonstrado uma mesma preocupação: a preservação do meio ambiente, indispensável à condição humana. Observou-se uma mudança no conceito de desenvolvimento (com inclusão do conceito de Desenvolvimento Sustentável) e uma progressiva preocupação com a degradação ambiental, que resultou na criação de mecanismos legais em defesa do meio ambiente, a exemplo das leis ambientais (CABRAL, 2006, p.28). No Brasil, tal movimento levou a uma Constituição em que se dedica um capítulo exclusivo à questão ambiental.

No entanto, conforme expõe Eugênia Rosa Cabral, o arcabouço de leis e regulamentações nos remete à década de 1930: 

No Brasil,  preocupações ambientais e regulação pública ambiental não são fatos recentes. Estas têm origem no inicio do século XX com a criação do Código Florestal (Decreto 23.793 de 1934), de Águas ( Decreto 24.643 de 1934) e de Pesca (Decreto 79 de 1938) e com a criação da Fundação Brasileira para Conservação da Natureza, na década de 1950. Esta é a primeira fase da regulamentação do país. Na década de 1960 vivencia-se a segunda fase da política regulatória expressa no seguintes atos: a lei 4.771 de 1965, que institui o novo Código Florestal; a lei de 5.197 de 1967 de proteção a fauna; o Decreto Lei 221 de 1967, que trata da proteção e estímulos à pesca; o Decreto 50.887 de 1961, que trata do lançamento de resíduos tóxicos nas águas litorâneas do Brasil (CABRAL, 2006, p. 29).

Apesar de ser considerado o primeiro código legal ambiental brasileiro, o Código das Águas não tinha como objeto o meio ambiente. Este definia o direito de propriedade e exploração de recursos hídricos para abastecimento, irrigação, navegação, usos industriais e geração de energia. Mas podemos entender o motivo de tal título se atentarmos para dois de seus artigos:

Art. 111. Se os interesses relevantes da agricultura ou da industria o exigirem, e mediante expressa autorização administrativa, as águas poderão ser inquinadas, mas os agricultores ou industriais deverão providenciar para que as se purifiquem, por qualquer processo, ou sigam seu esgoto natural.
Art. 112. Os agricultores ou industriais deverão indenizar a União, os Estados, os Municípios, as corporações ou os particulares que pelo favor concedido no caso do artigo antecedente, forem lesados (BRASIL. Decreto nº 24.643, de 10 de Julho de 1934).

O objeto de nosso trabalho nos reporta aos anos de 1964 e 1965, quando algumas das leis acima citadas já estavam vigorando e quando foram criados o Estatuto da Terra e o Código Florestal, tratando de regular “[...] os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola” e do uso das florestas e demais vegetações em todo território nacional (BRASIL, 1964, 1965), respectivamente.

Assim, na década de 1970, por influência das discussões levantadas na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em 1972 em Estocolmo,  houve a instituição de várias leis que refletiam a preocupação com a degradação do meio ambiente. Um exemplo disso é que em 1973 é criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) através do Decreto nº 73.030 durante o governo de Emílio G. Médici.

A sucessão destes movimentos, aprimorou e trouxe um corpo de ideias e consciência ambiental que eram novidade no país. Conforme Cabral,

Ao longo das ultimas três décadas do século XX, a “questão ambiental” tornou-se objeto de reflexão, envolvendo diversos segmentos da sociedade, em nível mundial, o que levou a efetivação, em vários países, de medidas político-institucionais visando a assegurar a “sustentabilidade ambiental”. Entre as medidas tomadas encontram-se as leis ambientais que orientam a política ambiental de cada país e, além destas, outras medidas vêm sendo adotadas, especialmente por agentes econômicos, no sentido de assegurar o crescimento e desenvolvimento econômico sustentável (CABRAL, 2006, p. 29).

Nas décadas posteriores predominou

[...] no Estado brasileiro um ambientalismo de caráter preservacionista e uma “ regulação pública ambiental que pressupunha uma intervenção geopolítica, hora com tratamento geopolítico de administração setorial (floresta, água, pesca e terra), hora com caráter conservacionista de caráter biocêntrico”, que predominou desde Vargas até o governo militar, no início da década de 1980, momento em que começa a ser delineado o novo padrão (CABRAL, 2006, p. 29).


Conjunturas Políticas

A década de 1960 foi cenário da eleição de Jânio Quadros e de sua renúncia, o que  levou seu vice João Goulart à presidência da República. O governo de Jango, por sua vez, foi marcado por conturbações e polêmicas, mesmo antes de sua posse, pois os setores militares viam nele uma brecha por onde os comunistas chegariam ao poder. Por fim, o Congresso adotou uma postura onde o sistema de governo passou de presidencialista a parlamentarista, permitindo a posse  de  Goulart com poderes diminuídos em 1961. Mais tarde, em janeiro de 1963, ao ser exposto à votação por meio de plebiscito, o parlamentarismo foi rejeitado por grande parte da população votante e assim o sistema presidencialista retornou com Jango a sua frente  (FAUSTO, 1996, p.442, 443).

O governo de Goulart teve caráter nacionalista e reformista. Em setembro de 1962, foi aprovada a Lei de Remessas de Lucro (Lei nº 4.131), em que limitava o envio de dólares das empresas para o exterior e previa-se uma intervenção mais ampla do Estado na economia. Em dezembro do mesmo ano foi adotado um novo modelo de orientação econômica para o governo, o Plano Trienal, visando a enfrentar o alto índice de inflação por qual o país passava, combinado o combate à inflação a um crescimento econômico e a reformas sociais. Estas reformas, conhecidas como Reformas de Base, tinham como objetivo uma reforma agrária, educacional, eleitoral e tributária.

Tais medidas não estavam sendo bem recebidas pelos grupos políticos, defensores dos interesses estrangeiros e representantes das multinacionais e tampouco eram bem vistas pela elite. Assim, em março de 1964, enquanto discursava frente à Estação Central do Brasil, João Goulart foi deposto por um golpe militar.

Em abril do mesmo ano, assume Humberto de Alencar Castelo Branco, eleito por votação indireta do Congresso Nacional. Tendo em vista o enfrentamento da situação econômico-financeira caótica deixada por Goulart, o governo castelista lançou o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG).

O PAEG tratou de reduziu o déficit do setor público, contraiu o crédito privado e comprimiu os salários. Buscou controlar os gastos dos Estados, melhorar a situação das empresas públicas e estabeleceu um aumento na arrecadação de impostos. Além disso, tinha como um dos enfoques mais importantes o comércio exterior, esperando contar com a entrada de capital estrangeiro para sair da crise econômica.
Para incentivar seu afluxo, o governo revogou uma lei de 1962 que restringia investimentos externos e re-editou a Lei de Remessas de Lucro, em 1964 (FAUSTO, 2006, p.421).

Posteriormente, em 1967, foi eleito para a presidência o general Artur da Costa e Silva que “[...] concentrava as esperanças da linha-dura e dos nacionalistas autoritários das Forças Armadas” que “[...] estavam descontentes com a política castelista de aproximação com os Estados Unidos e de facilidades concedidas aos capitais estrangeiros” (FAUSTO, 1996, p.476).


RETRIBUIÇÃO OU “RETRIBUIÇÃO”?

Como ponto de partida de nosso trabalho, buscamos nos situar em tempo e espaço através da leitura e análise da obra Companhia Vale do Rio Doce, 40 anos. Tal obra descreve de maneira factual a trajetória da empresa desde sua pré-história, em 1901, com a construção dos primeiros trechos da EFVM, até sua publicação na década de 1980.

A partir de então nos colocamos a par de uma suposta “corrente [interna] política  muito atuante [que] se opunha à expansão das exportações da Companhia, a pretexto da preservação das riquezas naturais do país”, datada de 1951. Essa mesma obra nos remete à melhoria da empresa no mercado mundial no ano anterior, que teria levado a um aumento da produção do minério.

Vale salientar que, como obra institucional, o livro tem por característica a exaltação da Companhia, tornando, a nosso ver, curioso o fato de mencionar um movimento contrário à mesma. No entanto, não fugindo à regra, este se refere a tal movimento de maneira sucinta e, até mesmo, pejorativa, tratando-o como empecilho ao crescimento da empresa. Disto, entendemos que esse movimento teria surgido como consequência do referido aumento de produção e de seus reflexos para a cidade, como o crescimento do tráfego nas estradas, também mencionado na obra.

Além disso, podemos ver retratada a visão da população itabirana a respeito da Cia. e suas atividades na cidade através das palavras do poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade:

O Pico do Cauê já não se alteia / Mas no coração da gente ele resiste (ANDRADE, 1967).

O maior trem do mundo

O maior trem do mundo / Leva minha terra / para Alemanha / leva a minha terra / para o Canadá / leva a minha terra / para o Japão.

O maior trem do mundo / puxado por cinco locomotivas a óleo diesel / engatadas geminadas desembestadas / leva o meu tempo, minha infância, minha vida / triturada em 163 vagões de minério e destruição.

O maior trem do mundo / transporta a coisa mínima do mundo / meu coração itabirano.

Lá vai o trem maior do mundo / vai serpenteando vai sumindo / e um dia, eu sei, não voltará.

Pois nem terra nem coração existem mais (ANDRADE, 1984, apud SILVA; SOUZA, 2002, p.12.).

Hoje, a Vale “exibe com orgulho idêntico ao de seu desempenho empresarial sua preocupação com a qualidade de vida de seus empregados, sua interação com as comunidades e seu exemplar cuidado com o meio ambiente” (CVRD, 2004, apud CABRAL, 2006, p.36). Entretanto, esse discurso é uma prática antiga dentro da empresa, e pode ser facilmente identificado a partir da leitura de O Minério, objeto de nosso estudo.

O Minério foi um periódico de circulação interna destinado aos trabalhadores da CVRD. A leitura prévia e os entendimentos anteriormente citados, fez com que nossa análise tendesse à uma crítica ao discurso ecologicamente correto adotado pela Cia.

Se analisamos a conjuntura política da época, percebemos um interesse da Cia. em assumir uma postura despolitizada. Mesmo estando em sintonia com as diretrizes governamentais desenvolvimentistas de Castelo Branco que privilegiavam um mercado voltado à exportação (SILVA, 2004, p.232), a CVRD busca manter-se distante dos debates políticos da época, expressos nos apontamentos deste governo, nas correntes nacionalistas de esquerda remanescentes do governo de Jango e  nos nacionalistas autoritários, mais tarde refletidos no governo e na figura de Costa e Silva.

Dessa forma, a Companhia Vale do Rio Doce, adota um discurso nacionalista “neutro”, afirmando, por exemplo, que “trabalhar para o engrandecimento da empresa significa trabalhar para a grandeza do Brasil”. Também nesse sentido, respondendo às manifestações por parte de Itabira adota discursos como os de “retribuição às zonas de mineração pela riqueza que é retirada de seu solo” e de “compensação pelos benefícios que aufere na exploração do minério de ferro” (O Minério nº5, abril-maio de 1964, grifo nosso), direcionados ao trabalhador através do jornal, e aos habitantes de Itabira através de obras. Com isso, a Vale busca construir uma imagem de empresa social e ambientalmente positiva.

Nesse sentido, constrói um “novo hospital para Itabira” onde são investidos “mais de 700 milhões” e com “esmerado acabamento de construção civil, modernas instalações e equipamentos”; investe em serviço florestal “a fim de utilizar áreas inaproveitadas e desmatadas que lhe pertencem, assim suprindo suas necessidades de consumo de madeira, além de proteger os mananciais e aterros nessas áreas e incentivar a prática do reflorestamento” através da manutenção de sete hortos florestais; constrói colégios como a Escola Profissional em Governador Valadares “destinada a atender o numeroso contingente de jovens da região até agora sem condições de se preparar para o exercício da atividade técnica” e concede bolsas de estudos a jovens de Itabira tomando “mais uma iniciativa em favor da juventude estudiosa”; investe na construção de casas próprias para funcionários; entre outros  empreendimentos (O Minério, anos 1964 e 1965).

Nossa proposta é de que os empreendimentos desenvolvidos pela CVRD expostos em O Minério, são fortemente influenciados por conjunturas externas à empresa. Dessa forma, acreditamos que a Cia. antecipa e se apropria de um discurso reproduzindo-o a seu favor ao utilizar termos como retribuição e compensação.

Conforme dicionário Houaiss retribuir é

1 dar como forma de pagamento; remunerar, pagar 2 conferir prêmio, recompensa a; galardoar, recompensar 3 responder a (gesto, favor, sentimento etc.) de maneira similar; corresponder[1]

E compensar é,

1 estabelecer ou restabelecer em (ou entre si) o equilíbrio; equilibrar(-se)  2 conter ou sujeitar, opondo-lhes efeitos contrários, as variações de certos aparelhos e mecanismos, ou melhorar o seu desempenho por meio de regulagem de um dispositivo suplementar   3 contrabalançar um mal, um prejuízo, um dano, um incômodo etc. com o efeito oposto, ou vice-versa.[2]

Acreditamos que em seu discurso a Vale utiliza o termo retribuir no sentido de “dar como forma de pagamento; remunerar, pagar”, já que os demais não poderiam ser usados uma vez que implicam em uma aprovação por parte da cidade e de seus habitantes. Segundo Eugênia Cabral,

Diante da histórica falta de preocupação ambiental da empresa com a degradação ambiental, alguns segmentos da população de Itabira se mobilizaram, gerando um conflito ambiental entre a CVRD e a população local, o que culminou, em 20/10/86, com uma ação civil pública contra a CVRD por poluição da atmosfera do município e degradação do ambiente local (CABRAL, 2006, p. 40)

Do que se entende que tal aprovação não procede.

Da mesma maneira,  entendemos que o termo compensar foi utilizado no sentido de “estabelecer ou restabelecer em (ou entre si) o equilíbrio; equilibrar (-se)”, pois em qualquer dos demais sentidos, a Cia. estaria assumindo os malefícios de suas atividades na cidade.

Na realidade, firmadas as novas normas ambientais, dada a conjuntura política e pronunciando-se a sociedade através de movimentos questionadores, o que a empresa fez foi adequar-se. Ainda hoje, tal discurso é utilizado a fim de desconstruir a imagem de “indústria suja” que lhe é atribuída.
CONCLUSÃO

A partir do exposto, concluímos que diante da corrente interna que se opunha à própria empresa e da posição da cidade diante de suas atividades, exemplificada aqui nas palavras de Drummond, fazia-se necessário adotar uma postura de empresa consciente. Para tanto, a Cia. investe não só em projetos ambientais, como em sociais. Através do periódico O Minério e das próprias obras, busca melhorar sua imagem perante os trabalhadores e os habitantes itabiranos.

Essa nova imagem expressa-se em discursos carregados de “boas intenções” onde se usam expressões como retribuir e compensar e que, por fim, transmitem ao leitor uma prática que não faz parte da realidade.

Além disso, a fim de manter-se à parte dos debates políticos correntes da época, a CVRD assume um discurso político nacionalista distante, neutro, despolitizado. Dessa maneira, não se compromete com nenhuma das vertentes nacionalistas existentes e segue com suas atividades em busca de um lugar no mercado internacional.

 
[1]    Instituto Antônio Houaiss. Dicionário eletrônico Houaiss [CD-ROM] : da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, [2001].
[1]          Idem.

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ANDRADE, Carlos Drummond de. Obras Completas. Rio de Janeiro: J. Aguiar Ed., 1967.


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CABRAL, Eugênia Rosa Cabral. Institucionalização da questão ambiental e exploração mineral no Pará e Minas Gerais: valorização da natureza e inversão da imagem da mineração? In: Revista de la Red Iberoamericana de Economia Ecológica. 2006, Vol.5, p.27-45. Disponível em: http://www.redibec.org/IVO/rev5_03.pdf . Acesso em: 08 nov. 2009.


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COMPANHIA VALE DO RIO DOCE. O Minério. Belo Horizonte: Companhia Vale do Rio Doce, Ano I/II, n.10, dez./jan. 1964/65.


COMPANHIA VALE DO RIO DOCE. O Minério. Belo Horizonte: Companhia Vale do Rio Doce, Ano II, n.11, fev./mar. 1965.


COMPANHIA VALE DO RIO DOCE. O Minério. Belo Horizonte: Companhia Vale do Rio Doce, Ano II, n.12, abr./mai. 1965.


COMPANHIA VALE DO RIO DOCE. O Minério. Belo Horizonte: Companhia Vale do Rio Doce, Ano II, n.13, jun./jul. 1965.


COMPANHIA VALE DO RIO DOCE. O Minério. Belo Horizonte: Companhia Vale do Rio Doce, Ano II, n.14, ago./set. 1965.


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